Fernando Cibelli de Castro
Com enorme dificuldade a mídia tradicional continua criando uma dicotomia entre os termos "virtual" e "real". Essa contraposição pode ser resolvida a partir de uma reflexão a partir do paradigma proposto em "O que é virtual" em que o papa da cibercultura Pierre Levy levanta a seguinte hipótese: o virtual é a recriação do humano em oposição ao atual e não ao real.
O que é virtual pode ser real, mas nunca atual. Um exemplo é este texto publicado na web em um blog que discute tecnologias. Trata-se de um conjunto de signos, letras do alfabeto romano, empregadas em Língua Portuguesa, poderia ser outra língua latina ou germ~enica, e que expressam um pensamento.
Um documento não deixa de ser real por ser digital. É apenas uma nova forma de imprimir textos ou imagens. Muda o suporte, mas o virtual e o real continuam a persistir lado a lado. Mas o texto a qualquer momento pode ser superado por um outro que o desatualiza. Em outras palavras, o virtual e o real dentro de uma perspectiva proposta por Pierre Levy são termos praticamente sinônimos e seu oposto é o "atual".
Assisti ontem a entrevista do correspondente da Globo News com o editor-chefe da Economist, John Micklethwait . O repórter Sílio Boccanera insistiu em discutir a questão que toda a mídia tradicional tem atravessada na garganta quanto à migração das revistas e jornais para o espaço cibernético e que esse fenômeno possa provocar a implosão das mídias tradicionais.
Os livros impressos de Gutemberg acabaram com os escribas, mas ao invés de destruírem a cultura à universalizaram pela difusão da alfabetização para as grandes massas. Os jornais mais ainda.
Na web, a minha filha de 14 anos lê notícias, enquanto houve, música, escuta a conversa dos adultos com atenção indevida e afaga o cachorro com o pé. Dá conta de tudo e ainda emite opiniões muitas vezes surpreendentes sobre a Origem das Espécies, algo que pesquisa com voracidade via Google. Por conta dessa descoberta ela roubou o meu livro impresso de mesmo título e o transformou e colocou na cabeceira.
Meses atrás, uma outra repórter, da Globonews realizou uma série de reportagens sobre questões pertinentes ao espaço cibernético e mais uma vez surgiu a contraposição entre virtual e real. Me parece que no afã de não perder o bonde do debate tecnológico, porém pouco armado teoricamente, o jornalista convencional discute mal o assunto e mais uma vez presenciamos a virtualidade em contraposição à realidade.
As fotografias e os textos veiculados tanto nas páginas impressas quanto na web são reais e podem ser interpretados e reinterpretados por qualquer ser humano razoavelmente alfabetizado. É outra confusão: nem tudo o que seja virtual vem do mundo digital.
Qualquer mídia, mesmo as convencionais transitam no virtual. Só deixam de ser reais e virtuais quando perdem a atualidade, como já disse antes,pela solução de um problema ou o desmembramento de uma crise em outra. Repetindo, quando um fato supera o outro aí sim o virtual e o real cedem lugar ao atual. É exatamente essa a questão proposta por Levy.
A não ser que a referência teórica do sistema editorial do jornalismo da Globo esteja vinculada ao pensamento de Jean Baudrillard ou Paul Virillo. O primeiro enxergava e o segundo enxerga um horizonte apocalíptico de que o mundo virtual seria uma espécie de crematório das sensações reais, de perda dos sentidos. Entretanto, nesses 15 anos desde o surgimento do espaço cibernético, não me parece que estejamos diante de um evento que nos leve à perda do tato, do olfato, da visão, do paladar e da audição, ou da modificação desses sentidos por uma demenciação coletiva.
Certamente, existe um redimensionamento sensitivo, muito mais pela migração das mídias. Você pode escolher entre ouvir a Lady Gaga na MTV ou no You Tube que é a TV do webspace. Eu particularmente não assisto a Gaga em nenhuma das soluções midiáticas, mas a minha filha de 14 anos se esbalda tanto na telinha do computador como na telona de LCD.
Cientificamente, nenhuma modificação biológica até agora foi verificada no aparelho humano de tal forma que estejamos diante de um novo fenômeno, tipo assim: passo em frente a um açougue e sinto o cheiro da Marilyn Monroe embebida em Channel número 5 e deitada a vislumbro nua sobre seus lençóis. Se fosse assim, a vida seria um delírio lisérgico insuperável. Bem mais interessante. Assim como não vejo o meu cachorro passar na sala latindo e ouço o grito de uma gralha, ou entro no Beira-Rio e assisto um jogo de um time de futebol da zona de rebaixamento do série A do Brasileirão 2010. Continuo vendo diante dos meus olhos o time de futebol mais vitorioso do século no continente americano. Está tudo no lugar não se assustem. Enquanto houver virtual, real e atual, haverá vida inteligente.
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